Nada na língua é por acaso – Marcos Bagno
Este livro apresenta, de modo acessível e esclarecedor, os fundamentos necessários para abordar conceitos como variação e mudança, norma-padrão e norma culta, estigma e prestígio, letramento e oralidade – entre outros – de maneira consistente.
Este livro apresenta, de modo acessível e esclarecedor, os fundamentos necessários para abordar conceitos como variação e mudança, norma-padrão e norma culta, estigma e prestígio, letramento e oralidade – entre outros – de maneira consistente.
Mas afinal, o que é Variação Linguistica?
Começaremos por Variação:
Variação: segundo Marcos Bagno,
significa o mesmo que dizer heterogeneidade. Diferentes formas de dizer, com
singularidades próprias, e em classificações diversas.
Variação fonético-fonológica – pense em quantas pronúncias você conhece para o R
da palavra porta no português brasileiro;
Variação morfológica – as formas PEGAJOSO e PEGUENTO exibem sufixos
diferentes para expressar a mesma idéia;
Variação sintática – nas frases UMA HISTÓRIA QUE NINGUEM PREVÊ O
FINAL/ UMA HISTORIA QUE NINGUEM PREVE O FINAL DELA/ UMA HISTORIA CUJO FINAL
NINGUEM PREVÊ, o sentido geral é o mesmo, mas os elementos estão organizados de
maneiras diferentes;
Variação semântica – a palavra VEXAME pode significar “vergonha” ou
“pressa”, dependendo da origem regional do falante;
Variação lexical – as
palavras MIJO, XIXI e URINA se referem todas à mesma coisa;
Variação estilístico-pragmática – os enunciados QUEIRAM SE SENTAR, POR FAVOR E VAMO
SENTANO AÍ , GALERA correspondem a situações diferentes de interação social,
marcadas pelo grau maior ou menor de formalidade do ambiente e de intimidade
entre os interlocutores , e podem inclusive ser pronunciados pelo mesmo
individuo em situações de interação diferentes.
Heterogeneidade
ordenada?
Diferente do que se
pensa, a variação lingüística não ocorre de maneira desordenada, caótica,
aleatória, por isso o autor intitulou o nome do livro como ”Nada na língua é
por acaso”, e segundo ele, não é mesmo. As palavras que mais se aproximariam do
real conceito é: heterogeneidade ordenada.
Heterogeneidade ordenada:
Pronuncie com cuidado as
duas palavras abaixo: RASPA → RASGA
Observe que na primeira
palavra aparece um som [s], enquanto na segunda aparece um som de [z], embora
as duas se escrevam com a mesma letra s. Por
quê? Muito simples o s de RASPA vem antes de um /p/, que é uma consoante surda,
isto é, produzida sem participação das pregas (ou cordas) vocais , e por isso o
s se pronuncia como [s], que também é um som surdo.
Já no caso de RASGA, o s
está diante de uma consoante sonora, o /g/ (produzida com a participação das
pregas vocais), e por isso ele se realiza como um [z], que também é uma
consoante sonora. É o contexto fonético, ou seja, a influência de uma consoante
sobre a outra, que vai explicar, neste caso, a variação [s] ~ [z]. A sonoridade
(ou vozeamento) de um fonema vai provocar a sonorização do outro; a
não-sonoridade (ou não-vozeamento) de um fonema vai provocar a não-sonoridade
do outro.
Aqui estamos de um
fenômeno de variação que está condicionada apenas linguisticamente – todo e
qualquer falante de português, independentemente de sua origem social ou
regional, sexo, grau de escolaridade etc., vai apresentar, na sua fala, essa
alternância [s] ~ [z] em pares como RASPA/RASGA, ESCAMA/ESGANA, FISCO/FISGO,
DESTINO/DESMAIO etc. É um fenômeno tão impregnado na língua que ninguém se dá
conta dele, ele não chama a atenção, não desperta nenhum tipo da reação
negativa ou positiva da parte dos falantes, que nem sequer têm consciência de
que ele acontece.
Outro exemplo da
heterogeneidade ordenada, desta vez no plano morfossintático, está nos casos
variáveis de concorrência nominal. Observe as três frases abaixo:
(a) aquelas casinha
amarelinha
(b) *aquela casinhas
amarelinha
(c) *aquela casinha
amarelinhas
Somente a frase (a)
ocorre no português brasileiro, enquanto (b) e (c) não ocorrem (por isso, estão
assinaladas com um asterisco, símbolo usado pelos lingüistas para identificar
uma construção improvável ou impossível). A frase (a) é usada por praticamente todos
os brasileiros, inclusive os altamente escolarizados em situações em
situações de fala espontâneas,
distensas. Daí se deduz claramente que existe uma regra por trás dessa
construção, uma regra que diz: <marque o plural somente no primeiro elemento
do sintagma>, regra que é perfeitamente obedecida por todos os que se servem
dela.
Segundo a autora Maria do Socorro
Pessoa:
“A Sociolinguística é
a parte da Linguística que faz seus estudos enfocando a Língua, a Cultura e a
Sociedade. Podemos afirmar que Língua e Sociedade são duas realidades que se
inter-relacionam de tal modo que é impossível conceber-se a existência de uma
sem a outra. É no seio da sociedade, com suas particularidades e afinidades,
que as falas fluem, que a interação ocorre. O condicionamento social da
linguagem está em consonância com traços que se enraizaram, de forma muito
profunda, na mente coletiva da comunidade linguística(...). (PESSOA, 2010).
A
Sociolinguística discute problemas que vão além das relações singelas entre a
língua e o social; estudando assim a estrutura linguística e a estrutura social
para comparar e mostrar a relevância da variação linguística existente entre
elas. Proporcionando dessa forma a valorização da diversidade, desconstruindo o
preconceito linguístico que enaltece o dialeto culto e desvaloriza os outros.
Segue abaixo alguns exemplos dessa Variação Sociolinguística:
- Fatores extralingüísticos – eles formam um conjunto de fatores sociais que
podem auxiliar na identificação dos fenômenos de variação lingüística. Ex:
Origem geográfica; Status
socioeconômico; Grau de escolarização; Idade; Sexo; Mercado de trabalho; Redes
sociais.
Ø
Origem Geográfica: a
língua varia de um lugar para o outro; assim, podemos investigar, por exemplo,
a fala característica das diferentes regiões brasileiras, dos diferentes
estados, de diferentes áreas geográficas dentro de um mesmo estado etc.; outro
fator importante também é a origem rural ou urbana da pessoa;
Ø
Status Socioeconômico: as
pessoas que têm um nível de renda muito não falam do mesmo modo das que têm um
nível de renda médio ou muito alto, e vice-versa;
Ø
Grau de escolarização: o
acesso maior ou menor à educação formal e, com ele, à cultura letrada, à
prática da leitura e aos usos da escrita, é um fator muito importante na
configuração dos usos lingüísticos dos diferentes indivíduos;
Ø
Idade: os adolescentes
não falam do mesmo modo como seus pais nem estes pais falam do mesmo modo como
as pessoas das gerações anteriores;
Ø
Sexo: homens e mulheres
fazem usos diferenciados dos recursos que a língua oferece;
Ø
Mercado de trabalho: o
vinculo da pessoa com determinadas profissões e ofícios incide na sua atividade
lingüística: uma advogada não usa os mesmos recursos lingüísticos de um
encanador, nem este os mesmos de um cortador de cana;
Ø
Redes sociais: cada
pessoa adota comportamentos semelhantes aos das pessoas com quem convive em sua
rede social; entre esses comportamentos está também o comportamento
lingüístico.
Para a autora Soares (1980), o bidialetalismo é chave para se alcançar
a prática sociolinguística, pois ele não objetiva a substituição da variedade
linguística do sujeito pela variedade linguística valorizada socialmente, mas
visa à compreensãodos diversos fatores – econômicos, sociais, culturais,
políticos, ideológicos – de que essas variações linguísticas são produto. Essa
ideologia bidialetalista demanda que se analisem as diferenças entre dialetos
de prestígio e os dialetos populares, repudiando a qualificação deste último
como deficitários. Sendo assim, a apropriação dos dialetos de prestígio pelas
camadas populares ocorre não como objetivo de substituição de seu dialeto de
classe, mas como mais uma forma de comunicação.
“(..)
uma escola transformadora atribui ao bidialetalismo a função não de adequação
do aluno às exigências da estrutura social, como faz a teoria das diferenças
linguísticas, mas a de instrumentalização
do aluno, para que adquira condições de participação na luta contra
desigualdades inerentes a essa estrutura”. (SOARES, 1980:74).
Variação Estilística são as diferentes
circunstâncias de comunicação do indivíduo, seja no ambiente em que se encontra
(familiar ou acadêmico, por exemplo), e/ou o tipo de assunto tratado e quem são
os receptores. É possível identificar dois limites extremos de estilo: o
informal, que é uma linguagem cotidiana que utiliza o mínimo de reflexão gramatical
do indivíduo sobre a norma culta; e o formal, que é uma linguagem mais
elaborada e complexa em que o grau de reflexão é máximo sob as regras da norma
culta, sendo essa utilizada nas conversações que não fazem parte do dia a dia.